sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Manifesto de fé

 
Eu tenho fé,
e, em silêncio,
sustento e manifesto a minha fé:
uma fé mínima, frágil e sutil.

A minha fé não comunga
com ódio santo e sagrado
das cruzadas e da inquisição.

A minha fé
não é a fé dos que obedecem,
dos que não lutam.

A minha fé
é fé do Frei Caneca,
do Pastor Geremias,
do Frei Beto.
do Betinho,
do Paulo Freire
do Gandhi,
do Martin Luther King,
do Mestre de Nazaré.

A minha fé
tem Deus como princípio,

por isso não teme o ódio:
esse ódio histórico
-quase eterno-
mumificado pelos séculos...

Esse ódio é tão pequeno,
tão insignificante, se comparado
á minha fé:
minha fé é livre
e vive dentro de mim.

Autor: J.J.Macedo para Sebastião Almeida e Lourdes

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Cruz de Souza


Broquéis é a obra que inaugura o Simbolismo Brasileiro (1893). Cruz e Sousa está entre os quatro melhores simbolistas da literatura universal. Poeta considerado até descendente de Baudelaire, esteve marcado pelo estigma da dor do emparedamento, o que o fez ansiar desesperadamente por libertação. Esse desejo torna inteligível sua obsessão por imagens brancas; no mínimo, é uma explicação menos simplista do que uma outra, mais antiga, que tenta enxergar um poeta negro rejeitando a sua cor. Acreditar nesta tese é esquecer a primeira das três fases de sua obra, em que tematizou a dor de ser negro, por meio de poemas sob a influência de Castro Alves. Mas o Cisne Negro, como era chamado, busca sempre as alturas, liberta-se da fronteira da pele e sente uma dor mais ampla: a de ser homem. Raça, religião, pátria são questões insignificantes agora, já que se tornou o vate do gênero humano e de seu sofrimento. Essa é a fase inaugurada com Broquéis (porém, sua melhor fase é a terceira, em que se liberta da parede da carne e busca tematizar a dor de ser alma. Nesse estágio, passa a aceitar tal agonia como elemento importante, necessário para seu engrandecimento). Sua grandiosidade já se vê presente no primeiro poema, Antífona. Para fluir esse grandioso poema, o leitor deve deixar de lado qualquer tentativa de entendê-lo e apenas liberar o inconsciente – exatamente o grande postulado dos simbolistas. Mesmo que teime em entendê-lo, não irá conseguir muito, tal a profusão de imagens herméticas, ou seja, de difícil compreensão, que há nele. O máximo que se obterá será entender “Antífona” como uma invocação a formas para que fecundem o mistério dos versos do poeta. É, portanto, um manifesto simbolista ou até mesmo uma profissão de fé da escola. Mas o que vale notar é a musicalidade expressiva, tanto na aliteração do /s/ quanto no predomínio de inúmeras palavras cujas sílabas tônicas tenham vogais extensas (“formas”, “alvas”, “claras”). Há a recriação de um canto religioso (católico, budista, hindu, tanto faz, todos alongam vogais), reforçando o clima do poema anunciado pelo título (antífona é um curto versículo recitado ou cantado pelo celebrante, antes e depois de um salmo, e ao qual respondem alternadamente duas metades do coro) e por vários vocábulos como “santa”, “virgem”, “incensos”, “turíbulos”, “aras”. O mais incrível é que essa religiosidade acaba-se misturando a imagens eróticas como “volúpicos venenos”, ”carnes de mulher”. É o lado maldito de Cruz e Sousa manifestando-se, também visto no poema Dilacerações.


Ó carnes que eu amei sangrentamente,

ó volúpias letais e dolorosas,

essências de heliotropos e de rosas

de essência morna, tropical, dolente...

Carnes, virgens e tépidas do Oriente

do Sonho e das Estrelas fabulosas,

carnes acerbas e maravilhosas,

tentadoras do sol intensamente...

Passai, dilaceradas pelos zelos,

através dos profundos pesadelos

que me apunhalam de mortais horrores...

Passai, passai, desfeitas em tormentos,

em lágrimas, em prantos, em lamentos

em ais, em luto, em convulsões, em dores...

Esse soneto é um belo e típico exemplo do erotismo maldito de Cruz e Sousa. Note que ele faz, na primeira estrofe, uma invocação, ainda que vaga, a carnes que amou “sangrentamente”. Se unirmos essa idéia ao título do poema e aos sinônimos em gradação da última estrofe, descobriremos uma mistura entre amor e dor, sofrimento. Estaria o poeta expressando seus impulsos sádicos? Ou estaria relatando a perda da virgindade? Difícil descobrir, já que se assume aqui o típico tom impreciso, vago dos simbolistas. Mais marcante do que esse soneto, no campo amoroso, é o exemplo a seguir, Lésbia:

Cróton selvagem, tinhorão lascivo,

Planta mortal, carnívora, sangrenta,

Da tua carne báquica rebenta

A vermelha explosão de um sangue vivo.

Nesse lábio mordente e convulsivo,

Rir, ri risadas de expressão violenta

O Amor, trágico e triste, e passa, lenta,

A morte, o espasmo gélido, aflitivo...

Lésbia nervosa, fascinante e doente,

Cruel e demoníaca serpente

Das flamejantes atrações do gozo.

Dos teus seios acídulos, amargos,

Fluem capros aromas e os tetargos,

Os ópios de um luar tuberculoso...

Deve-se explicar que Lésbia é mulher que se entrega aos prazeres carnais. O título desse soneto já anuncia o erotismo maldito que se verá. Note a aliteração, na primeira estrofe, de /c/, /t/, /p/, /b/, /l/, somada às imagens ligadas ao vermelho (a associação de cores e vogais a idéias era o que os simbolistas chamavam de Lei das Correspondências), tudo formando um conjunto de elementos a sugerir o orgasmo explodindo pela pele da amada, o que é aludido também no verso 5. Entretanto, o eu-lírico não perde o fôlego e continua seu espetáculo escandaloso, informando que, no clímax sexual, vê na parceira o Amor e a Morte (Eros e Tanatos), para depois chamá-la de serpente demoníaca e ainda dizer que seus seios exalam “capros aromas”, tornando-a maligna. Lembre-se de que “capros” é adjetivo que faz referência a bode, animal que na mitologia cristã representa o demônio. Assim, a amada do eu-lírico é mais uma entidade, no caso demoníaca, do que uma mulher real, de carne e osso. Aliás, um procedimento muito comum em Cruz e Sousa. Em suma, esse poema é uma jóia rara de nossa literatura. Enfim, Cruz e Sousa produz poesia do mais alto nível, expressando a dor humana de forma grandiosa e sinfônica, encontrando ecos raros em nossa língua. Chega-lhe perto um Augusto dos Anjos ou então um Antero de Quental. Merece, portanto, o máximo respeito no quadro de nossos literatos.

Fonte: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqX-Qw8AzPoWf09zFqVBDHrKRmrCg4HShBevk_3fAiau8KhLdWgs__vs1qGyqfhBsHGY6ZuKlN9ypB4vue1yuVX7eVLJOtSHWwWtzj9f7W3LIVp1kd3ArSHH92dwX2VCRzUQo15pyGKIPV/s200/cruz_e_sousa.jpg&imgrefurl=http://kazadopoeta.blogspot.com/2010/01/broqueis-autor-cruz-e-souza.html&usg=__YfxTni6h05yBRZ5tNprSySWydFM=&h=200&w=181&sz=11&hl=pt-BR&start=12&itbs=1&tbnid=aCRwJK2hddjBeM:&tbnh=104&tbnw=94&prev=/images%3Fq%3DCruz%2Bde%2BSouza%252Bsimbolismo%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DG%26gbv%3D2%26tbs%3Disch:1 

Alvares de Azevedo


Poeta, dramaturgo, contista, escritor, romancista, Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu no ano de 1831, na cidade de São Paulo-SP, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro em abril de 1852. Filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luisa Mota de Azevedo. Iniciou seus estudos no Rio de Janeiro (1831); é matriculado no Colégio Stoll (Botafogo); vai a São Paulo, onde estuda francês, inglês e latim, e retorna ao Rio (dezembro de 1844); bacharelou-se em Letras no Colégio Pedro II; retornou a São Paulo para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1847. Em 1848, conhece José de Alencar e Bernardo Guimarães. Morreu aos 21 anos de idade – vítima de um tumor na fossa ilíaca (parede do abdômen) que piorou após uma queda de cavalo, aos 20 anos (atualmente está enterrado no Cemitério São João Batista, Rio de Janeiro). Tinha facilidade de aprender outras línguas. A exemplo disso, traduziu o 5º ato da obra Otelo, de Shakespeare, e Parisina, de Lord Byron. Foi fundador da revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano (1849), além de participar da Sociedade Epicureia. Escreveu contos, poemas, drama, romances e diversos ensaios. Suas influências principais são Lord Byron, Renè de Chateaubriand e, em especial, Alfred de Musset. Foi considerado o “Byron brasileiro”. O próprio Álvares definiu sua poesia como uma “binomia” – aproximar extremos, o que é tipicamente romântico. Um dos aspectos encontrados em sua obra Lira dos vinte anos são a incorporação do cotidiano na poesia brasileira e pontos críticos encontrados no prefácio desta mesma obra.
Dotado de prodigiosa versatilidade, dominava todas as manifestações da poesia, desde a cândida melancolia do lirismo à impudica desfaçatez do erotismo. Deve notar-se que, na maioria dos seus poemas, flutua um ambiente funesto, onde a morte constitui o tema central. Parece ter havido no poeta o constante pressentimento dos breves anos que iria viver. Por estranho paradoxo e para mais realçar a elasticidade dos seus recursos, foi ele, o poeta dos versos sombrios e cinzentos, quem introduziu o humorismo na poesia brasileira. A irreverente ironia de alguns dos seus poemas chega a fazer duvidar que tivessem saído da pena desesperada que compôs os outros. Álvares de Azevedo é a patrono da Cadeira de nº 2 da Academia Brasileira de Letras.
É interessante notar que todos os seus trabalhos escritos só foram publicados após a morte do autor. Algumas das obras de Álvares de Azevedo são as seguintes: Poesia: Obras I, Lira dos Vinte Anos (1853), Poema do Frade, além de diversas poesias escritas (Dinheiro, Imitação, Poemas malditos, entre outros); Prosa: O Livro de Fra Gondicário, Cartas, Obras II, e vários ensaios (George Sand, Literatura e Civilização em Portugal, Lucano, Jacques Rolla), Noite na Taverna (1855); Drama: Macário.
Na atualidade, algumas dissertações são elaboradas em torno das obras de Álvares de Azevedo: O Belo e o Disforme (Cilaine Alves Cunha), Entusiasmo indianista e ironia byroniana (tese de Doutorado, USP) e O poeta leitor. Um estudo das epígrafes hugoanas em Álvares de Azevedo (Maria C. R. Alves).
Analisando sua obra no geral, percebemos a linguagem que expressa seus estados de espírito, a vida boêmia, a busca pelo amor e pela mulher, a fuga da realidade, o vício, a noite, entre outros aspectos. Sua poesia tem muitas das características do ultra-romantismo, o que dá ao autor destaque entre os autores do movimento literário. Na sua principal obra – Lira dos vinte anos –, vemos adolescente sentimental e ingênuo; por outro lado, ainda vemos uma face irônica, crítica à realidade de seus dias, irreverente, fúnebre, e, algumas vezes, orgíaca. Ainda também nessa obra, vemos a mulher “inatingível”, que o eu lírico não ousa tocá-la.
Podemos ver também um exemplo dos sentimentos do autor citados acima, na obra poética Lembranças de morrer:

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida
Na sombra de uma cruz e escrevam nela:
– “Foi poeta, sonhou e amou na vida”

Álvares de Azevedo tinha uma forte ligação com sua mãe, e se preocupava com ela e seu sofrimento. Isso fica evidente num trecho desse mesmo poema: Não derramem por mim nem uma lágrima... E ti a minha mãe, pobre coitada/ Que por minha tristeza se definhas.
Sobre a morte de seu irmão Inácio, veja as expressões no poema O Anjinho:

"Não chorem! lembro-me ainda
Como a criança era linda
No frescor da facezinha!
Com seus lábios azulados,
Com os seus olhos vidrados
Como de morta andorinha!"

Alguns dias antes de morrer, como que um pressentimento do autor, vejamos como ele se expressa diante da situação, no poema Se eu morresse amanhã:

"Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!"

Alguns autores dão sua parcela de contribuição a tecer comentários sobre a obra e a genialidade de Álvares de Azevedo, como no caso de Antônio Candido: temos um poeta pleno em fé na poesia e no amor, afirmando serem espontâneos os seus cantos, fundados nos mistérios de seu amor e solidão <...>” Ele almeja um mundo visionário e platônico”.

Fonte: http://pt.shvoong.com/books/romance/259611-%C3%A1lvares-azevedo/

Sarau Literário



O poeta e jornalista Castelo Hanssen comandará hoje o sarau lítero-musical no Café-Cultura, a partir das 17h30, com a participação de poetas e artistas da Cidade. A entrada é franca.
Quinta-Feira, 24 de junho de 2010.
 
Fonte: Diário de Guarulhos
www.diariodeguarulhos.com.br 
castelohanssen.blogspot.com.br 

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Cantiga da Ribeirinha



No mundo non
me sei parelha,
Mentre me for como me vai,
Cá já moiro por vós, e - ai!
Mia senhor branca e vermelha.
Queredes que vos retraia
Quando vos eu vi em saia!
Mau dia me levantei,
Que vos enton non vi fea!
E, mia senhor, desd'aquel'di, ai!
Me foi a mi mui mal,
E vós, filha de don Paai
Moniz, e bem vos semelha
D'haver eu por vós guarvaia,
Pois eu, mia senhor, d'alfaia
Nunca de vós houve nem hei
Valia d'ua correa.



Paio Soares de Taveirós (ou Taveirós) foi um trovador da primeira metade do século XXI, de origem da pequena nobreza galega.
Foi o autor da célebre Cantiga da garvaia, durante muito tempo considerada a primeira obra poética em língua galaico-portuguesa. É uma cantiga de amor plena de ironia, e por isso actualmente considerada por diversos autores como uma cantiga satírica. Mesmo perdendo o seu estatuto de mais antiga cantiga conhecida, em favor de uma outra do trovador João Soares de Pávia, continua no entanto a desafiar a imaginação dos críticos, ainda em desacordo quanto ao seu real sentido, e nomeadamente no que diz respeito à personagem a quem é dirigida: uma filha de D. Pai Moniz, por muito tempo identificada como D. Maria Pais Ribeiro, a célebre Ribeirinha, amante do rei português D. Sancho I. A constatação da existência, na época, de várias personalidades chamadas Pai Moniz, ou Paio Moniz, bem como a origem galega de Paio Soares, parecem, no entanto, contrariar esta hipótese, hoje muito discutível.








segunda-feira, 14 de junho de 2010

O Chão

                 Para: Roberto Carneiro e Sandra Regina

 
                    É preciso estar atento,
                  olhar pra frente
                  pra nunca pisar em gente.
                  há tanto chão pra se pisar
                  pra caminhar, pra cultivar...

                 ``É preciso ter os pés no chão ! ´´

                  É preciso saber o chão, ser o próprio chão.
                  sem o chão o corpo
                  cai no chão.

                  O chão é o limite:
                  é onde o corpo se sustenta,
                  se alimenta e alivia o seu cansaço.

                  O chão é o leito,
                  o palco e o pão.

                         J.J.Macedo 


segunda-feira, 7 de junho de 2010

Agora não


Para Maria Helena Gonçalves
"Temos de ser a mudança que queremos ver no mundo"
Gandhi 

Fatigado de tanto carregar
o peso das derrotas;
de aceitar, calado, o vazio das respostas;
de me contentar, com os restos das sobras;
de vestir os outros com a minha nudez;
de ser cada vez
mais só e menos livre;
de fugir e de fingir que não era comigo;
de ficar na fila de espera
esperando a certeza do não;
de ficar parado olhando o tempo passar
e pisar sobre mim com seus pés
pesados e apressados;
de acordar cedo para alimentar a fome das horas;
ficar esperando um direito, um sentido, um respeito, um desejo:
resolvi parar um pouco para descansar e olhar no espelho.

A partir de hoje,
não espero mais não!
Agora não:
eu estou procurando...

J.J.Macedo